A primeira sensação foi de um vazio enorme no estômago. Por um momento o tempo parou, enquanto o Corcel transpunha a borda do abismo e caia ladeira abaixo. Durval segurou firme no volante e esperou o baque, fechou os olhos. Pareceu passar uma eternidade até o carro bater com força no chão de terra. O tranco afundou seu corpo no assento e o fez balançar de um lado para o outro como um boneco dentro de uma caixa chacoalhada por uma criança. O carro não parou, estraçalhando o mato rasteiro, desceu velozmente a ladeira, desgovernado. Pulava como um cavalo selvagem quando batia as rodas da frente com violência nos buracos e desníveis do terreno. Durval ainda pensou em tentar controlar o veículo, mas era impossível. A direção estava completamente solta e girava de um lado para o outro. Possivelmente o eixo dianteiro havia se partido com a primeira batida. Foi então que, num dos solavancos, o carro virou de lado e capotou.
Agora sim, a criança malvada chacoalhava a caixa para valer. O cinto de segurança parecia cortar o corpo de Durval de cima a baixo conforme o espremia junto ao assento. Não era possível saber onde era em cima ou embaixo, tudo era uma mistura confusa de imagens acinzentadas.
O último baque foi o pior de todos. O corpo de Durval foi arremessado contra o teto do carro e tudo ficou escuro.
Não sabia dizer quanto tempo havia se passado quando abriu os olhos. Ouviu o barulho suave da chuva na lataria do carro e sentiu um gosto estranho na boca, parecia ferro. Moveu a língua passando-a pelos dentes e percebeu que a boca estava cheia de sangue. Não sentiu nenhuma dor pelo corpo e por um momento achou que não havia se machucado gravemente. Mas então percebeu a poça de sangue que se formava rapidamente perto de sua cabeça.
Aos poucos foi movendo as mãos e os braços. Não conseguiu mexer as pernas. Uma das janelas do carro estava totalmente amassada, havia ficado pequena, como se tivesse simplesmente reduzido de tamanho. A outra estava aberta. Talvez conseguisse esgueirar-se para fora do carro por ela. Segurou a lateral da janela com uma das mãos e tentou puxar o corpo, mas não havia força suficiente no braço, ou talvez as pernas estivessem presas na ferragem. Sentiu náusea e acabou engasgando com o sangue na garganta. Só não queria desmaiar àquela altura. Se pudesse sair do carro, talvez conseguisse fazer algum sinal, alguém poderia ver. Devia ser por volta de meia noite ou mais. Quem passaria por ali a uma hora dessas? Os faróis do Corcel estavam apagados, se pelo menos estivessem acesos alguém poderia ver a luz.
Com muito esforço, Durval conseguiu puxar metade do corpo para fora do carro. A chuva caindo em seu rosto foi um alívio, abriu a boca e deixou a água entrar. Respirou fundo sentindo o cheiro do mato molhado ao redor. E foi então que ele viu.
No alto da ribanceira, a camioneta que havia batido em seu carro estava parada com os faróis acesos. Os dois fachos brilhantes iluminavam a chuva como os olhos de um tigre espreitando na noite. Ao lado da camioneta ele viu a sombra de duas pessoas olhando em sua direção.
CONTINUA…
Grande Gaspar!
Muito envolvente sua história, você consegue manter o pique de deixar o leitor sempre em suspense, parabéns!
[]a
Oi Alexandre! Que bom que está gostando. Fico muito feliz, principalmente sendo você um grande conhecedor da arte de contar historias. Obrigado!