Quando o delegado Moreira chegou na casa de Dona Dolores e Seu Durval, não sabia o que ia encontrar pela frente. Antigo amigo da família, nunca tinha recebido uma chamada profissional para vir até a casa dos dois. Mas Durval tinha sido claro no telefonema. Havia um homem morto na cozinha do casal de idosos.
Pediu para Almeida, seu assistente, esperar fora da casa e entrou pelo portão da frente sem tocar a campainha. A casa era antiga, mas muito bem cuidada. Um jardim com roseiras, babosas e bromélias ladeava o caminho de ladrilhos até um terraço cheio de samambaias. Parecia que entrava em um jardim botânico. Sentada numa das cadeiras do terraço, visivelmente perturbada, estava Joana, a empregada do casal.
– Oi Joana, parece que vocês estão com um problema, hein?
Joana abaixou o rosto e resmungou alguma coisa que Moreira não entendeu.
– Durval? – falou alto enquanto batia com o nó dos dedos na porta de entrada.
A porta abriu-se e Durval cumprimentou o delegado apenas com o olhar, sem o costumeiro aperto de mão caloroso ou as piadas prontas que sempre fazia. Ao contrário, Durval estava taciturno e preocupado. Parecia que a coisa tinha mexido com todos na casa.
Ao entrar na sala, Moreira viu Dona Dolores sentada no sofá, uma das mãos sobre o peito, como se estivesse prestes a sofrer um ataque do coração. O outro braço jogado de lado em cima de uma almofada.
Moreira olhou para Durval e em seguida para o corredor que dava na cozinha, conhecia bem a casa.
Durval assentiu com a cabeça.
Sem falar nada Moreira foi até a cozinha.
Durval sentou-se ao lado da mulher. Segurou sua mão e, com carinho, disse que tudo ia ficar bem, que Moreira ia resolver o caso sem maiores complicações.
– Durval, acho que eu não vou conseguir entrar nunca mais na cozinha. Acho que seria bom nos mudarmos daqui.
– Não diga bobagem. Sempre moramos aqui. Vamos mandar limpar o sangue e tudo vai ficar como antes.
Os dois permaneceram em silêncio. Durval tentou ouvir algum barulho na cozinha. Moreira devia estar investigando o corpo. Mexendo-o de um lado para o outro talvez, a fim de achar alguma pista de como teria ido parar ali. Mas não ouviu nada.
Após alguns minutos que pareceram horas, Moreira voltou até a sala. Caminhou lentamente e sentou-se na poltrona com um olhar sério no rosto, mas sem encarar Durval ou Dolores.
– E então? Tem alguma pista? Vai investigar de quem é o corpo?
Moreira olhou para Durval e um leve sorriso apareceu em seu rosto.
– É alguma brincadeira, Durval?
– Como assim, homem? Que brincadeira?!
– Não tem nada na cozinha.
Durval arregalou os olhos, boquiaberto. Encarou a mulher pedindo uma tradução para o que o amigo delegado acabara de falar. Dolores teve um calafrio que subiu pelas costas e a fez gemer como se tivesse entrado em um frigorífico.
Durval falou pausadamente para não errar ou tropeçar nas palavras:
– Você não achou o corpo na cozinha?
– Nada.
Durval pulou do sofá e caminhou rápido até a cozinha. Dolores ficou encarando Moreira, abobalhada.
Durval entrou na cozinha. O lugar onde estava o corpo estava vazio. Olhou embaixo da mesa. Nada. Nem uma gota de sangue, muito menos um corpo. Apenas a gata branca em cima da mesa lambendo as patas.
CONTINUA…